sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

chant de la grand-route

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Toi, route où je m'engage en regardent de part et d'autre, je crois que tu n'est pas tout ce qui est ici,
Je crois que beaucoup de choses invisibles sont aussi ici.

Ici est donnée la profonde leçon de l'acceptation sans préférence, ni reniement,
Le noir avec ses cheveux crépus, le criminel, le malade, l'illettré, aucun d'eux n'est renié;
...
Ils passent, je passe aussi, tout passe, on ne peut interdire le passage à personne,
Il n'est personne qui ne soit accepté, il n'est personne qui ne me soit cher.
(Chant de La Grand-Route - Whitman)

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Então, a pedido da Jamila, a tradução do poema do livro "Feuilles d'herbe / Leaves of Grass" de Whitman.

"Canto da grande estrada (rodovia)

Tu, estrada, onde eu me engajo e olho de uma parte a outra, creio que você não é tudo que está aqui,
Creio que várias coisas invisíveis estão aqui também.

Aqui é dada a grande lição da aceitação, sem preferência, nem recusa,
O negro com seu cabelo crespo, o criminoso, o doente, o iletrado, nenhum deles é rejeitado;
...
Eles passam, eu passo também, tudo passa, nós não podemos interditar a passagem de ninguém,
Não há ninguém que não seja aceito, não há ninguém que não me seja querido."

De uma forma um tanto literal, porque o francês é parecidíssimo com o português, e porque acho desnecessário trocar "engajar", "iletrado" por qualquer outro sinônimo.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

doces ou travessuras?

     Ela prefere sinceridade e passeios calmos à tarde com pessoas que possam manter conversas amenas ou desesperadas, sem depois utilizarem o que foi dito contra alguém, nem mesmo contra quem mereceria de alguma forma.
     Ela gosta das nuvens curvadas e assustadoras, dos abraços que insiste em rejeitar e das brincadeiras insistentes sobre tudo que finge não querer contar.
     Ela gosta de transparência, nunca teve medo de vidros e de aquários, desde que o reflexo seja uniforme e sincero. As distorções assustam, assim como o mundo ao qual não pertence e as respirações pesadas e cansativas. Prefere a sombra, a grama e os olhares tímidos. Nada de doces ou travessuras. Não é do tipo que gosta de fantasias.

sábado, 10 de janeiro de 2009

vacances

Mas basta que o ar entre nós seja leve
e quente

para que todos os defeitos
e temores

se desfaçam entre as nuvens,
entre as estrelas,

qualquer coisa que esteja
acima das nossas cabeças

e que possa controlá-las
por nós.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

contra-senso


Penso que a sanidade era lançada aos poucos, em cada palavra que lhe dizia, dessa forma, gradualmente todos os dias viraram o mesmo ato de se perder, de brincar de perceber o que podiam fazer, até onde podiam ir, como se os limites estivessem apagados e pudessem pisar neles por pura implicância.

A impressão que tinham era a de que haviam inventado um jogo novo, com regras próprias e onde não se descobriu ainda quem ganha no final, nem mesmo se vai haver um vencedor no final. Era fácil viver assim, bastava sentar-se numa calçada e ouvir beirut para os tempos estarem certos, ou se beijarem por minutos incontáveis, protegidos da chuva e dos olhares, embaixo do guarda-chuva. A verdade é que se perdiam por muito pouco.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

démodé

Ontem passei em frente ao banco em que costumávamos sentar. Houve uma quase dor, arrastada, quase suficiente para me fazer esboçar alguma sensação mais verdadeira. As lembranças de desespero exagerado, de súplicas desmedidas, não pareceram nada além de teatro. Lembro do teu olhar de lado e do meu desespero ao ver que não era para mim que olhava. E as noites em que o céu parecia um risco, com luzes borradas, onde todos sorriam aberto demais.

Era um pandemônio. Estávamos todos contando histórias de aventuras aumentadas, não havia metade de verdade em tudo que dizíamos, todos sabiam, todos contavam. Lembro da música gritada ao fundo, não distinguia um só instrumento, os sons me pareciam um só. Um que preenchia a cabeça, se infiltrava nas imagens.

Naqueles dias não havia distinção entre os sentidos. Os cheiros, sons, imagens, vinham todos do mesmo lugar e para o mesmo lugar. Enxergava a cor daquela música. E tudo era falsamente perfeito só para não assumir que aquele seu olhar de lado não era para mim. E quando me olhava, eu via uma indiferença que rasgava o cenário. Eu queria correr, queria ir embora para um lugar que não sabia onde ficava. Eu tinha impressão de que me odiava e, talvez, naquele momento realmente me odiasse sem sequer saber o porquê. Então te estendia a mão, você a pegava. Por um instante, tudo fazia sentido novamente e os sons, as pessoas, as bebidas, tudo me parecia vazio. Por pouco tempo, imaginava que havia me encontrado, mas aquilo era perdição. Sabia que aquele amor existia de um jeito próprio que estava além do meu controle e do seu. Sabia que iria acabar. Sabia que iria sofrer. Sabia que o jeito em que me perdia na sua boca era a pior coisa que podia me acontecer naqueles dias ilusórios. Eu me fodia ao poucos, consciente e resignada. E hoje, ao ver o banco e não sofrer, parece que me deram um corpo novo, sem as marcas daqueles dias.