sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

dilúvio

Disse-lhe aquelas frases
de forma tão comprometida
que pôde acreditar nos sonhos.

E inventar histórias
que vivia diariamente
concretizando-as em destinos.

Mas então veio o dilúvio,
devastador.
Carregando os muros
dos seus frágeis castelos.

Agora desanimada, senta-se na pedra,
fica a olhá-los aos suspiros:
"E agora, quem há de reconstruí-los?"

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

he always can...


1. Lembrava da cara que ela fez, quando disse pela primeira vez a frase “quando terminarmos”. Saiu naturalmente, não quis lembrar que estavam perto de terminar, nem que iria deixá-la em certa hora. Apenas, naquele momento, possuía uma consciência incômoda de que relacionamentos podem acabar e que aquele, infelizmente, acabaria um dia. Gostavam-se, se davam bem, mas não havia amor. Era outra pessoa lhe ensinando um pouco mais, enquanto aprendia em retorno.


2. Ela se achava segura, se achava incapaz de sentir novamente a sensação de perda e desespero que aflige aqueles que não sabem exatamente o que vai ser deles frente a um amor. Havia passado por isso, não tornaria a passar novamente. E então ele surge. Não veio diferente de outros, nem dele mesmo. Nem nunca em algum momento disse que deixaria de amá-la, nem demonstrou que faria. Ao contrário, nos braços dele era completa, era estável, era alguém calma e divertida. Alguém que não precisava olhar ao redor em busca de algo para preencher as conversas. Bastava se olharem. Ele sentia o mesmo, no entanto, a menor dúvida que surgisse era capaz de fazê-la querer correr para o nada.

3. E como anexo, os desequilíbrios, iria apagá-lo do MSN caso passasse mais de 1 semana sem lhe dirigir a palavra. Passou. Apagou. Ele nunca soube. E no outro dia teve de readicioná-lo: ele havia lhe enviado uma poesia de Clarice Lispector. Ela sorriu e se sentiu boba, até a poesia acertada a assustava.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

devaneio I

da leveza que me salta aos olhos
metade é voce, puro e simples
a outra é o que me resta
depois que alivia
os meus sorrisos retesados.

pois assim que penso:
haveria mágoa se eu não conhecesse
como é estar feliz por saber-te?
haveria o medo a perder?
imagem: kurt halsey - "a pause for thought"

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

a fase da dor






Houve um tempo em que havia desistido de ter um blog, até, simplesmente, sentir vontade de voltar a ter. Durante o tempo de recessão literária, escrevia em um documento do Word, amontoava textos quando, e se, tivesse vontade.

Há alguns meses, quando reabri esse documento, possivelmente quando decidi voltar a escrever e publicar, percebi uma certa lógica na catarse, ciclos como o deste post. Decidi nomeá-los de forma óbvia, sem muita frescura. Essa é a fase da queda, da perda, da dor, como cada um preferir chamar.
---------x---------

doeu-me intensamente
não ser mais nada.

não foi vazio como pensei que seria
o ato, de anular-me, perfurou-me:
dolorido e áspero.

e essa ausência sofrida
me incomoda mais
do que qualquer dor que me causara.
---------x---------

Ele continuava sentado no mesmo banco. Imaginando o próximo passo. Alheio à realidade de que primeiro teria que se levantar, olhar para frente. Não podia definir como dor aquele sentimento. Era algo mais, era algo mais concreto. Algo que parecia correr pelas veias, pesado e cansativo. Sentia um cansaço na alma. Sentia vontade de virar pedra naquele banco e nunca mais avistar qualquer indício de vida e cotidiano. Queria virar cimento.
---------x---------

Certo dia acordei e decidi de imediato que arrancaria aquele sentimento de mim. E cada esquecimento era como arrancar a carne junto. Queria explicar a intensidade desse sentimento. Como sentia um pedaço meu sendo arrancado, e a dor e a angústia que isso me trazia. É algo além das minhas capacidades. Eu queria morrer e não morria. É doloroso se sentir incapaz até de morrer. Então esperava que outras pessoas morressem e ninguém morria. Queria ter amnésia, não tive. E os nacos de carne ainda sendo levados. Era uma sensação estranha de quase vida. Havia um distanciamento entre mim e o mundo. As pessoas eram plásticas ou eu era. Alguém estava em um aquário. E ainda a carne dilacerada. Não foi uma boa época para viver.
---------x---------

Não era dor o que buscava.
Esmagava-lhe o peito esperar.
Doía. Doía muito. Não lembrava que doía tanto.
E assim de súbito tivera a certeza
de que não era aquela dor o que procurava.
Queria a paz dos dias aparentemente vazios.
A calma das camas ocupadas por corpos cansados
Inertes por instantes glamorosos.
Buscava aqueles braços que lhe acalentariam.
Só isso.
---------x---------

Arrancaram as lembranças
Esqueço-me aos poucos
do que
esqueci

E essa falta da sua parte
me apavora.

Onde foi que te
deixei
E onde foi que me perdi?

sábado, 8 de novembro de 2008

só pra constar.


Não ter medo:
O mar não se destrói
Com nenhuma tempestade.

(Guimarães Rosa)

----------------x----------------

Não suporto amores escondidos
Desejos reprimidos
Fingimentos declarados
Acordos descumpridos
e falta de coragem.

Pois, esteja de sobreaviso
se teme ser do tipo dos vadios
descontrolados e alarmados:
Poupe-me os ouvidos.

sábado, 20 de setembro de 2008

XI Festival de Órgão de Lisboa


Enfim, há tempos tenho vontade de escrever sobre estar em Lisboa, mas nunca há especificamente o que escrever. Até ontem, quando me vi num concerto de órgão numa catedral centenária ouvindo Bach. E ainda não sei como descrever a sensação, simplesmente é algo que contaria aos meus netos, quando, e se, tiver alguns.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

cores e aquarelas


É uma junção de tantas outras. A cor resultante? É essa, não sei dizer o nome, nem sequer de quais surgiu. É daquele tipo que você sabe que existe, mas os outros nunca sabem qual é. Ninguém acha que é a mesma cor, parece daltonismo. Vez ou outra, chegam perto e pensa que finalmente vão chegar a um consenso, mas logo se decepciona e continua sendo uma cor particular. Não que haja defeito na singularidade que ela implica, não mesmo. Não se torna incômodo a ponto de também se tornar insuportável. Provavelmente, incomoda mais a necessidade de tornar nitidamente certo. Perturba-me, em vários momentos, que não sei explicar o que se passa e o que vejo. No começo a mistura foi interessante, necessária. Só quando não tinha controle do resultado é que me pareceu assustador. Não dá pra separar. A cor que me veio é bonita, mas talvez preferisse vermelho ou algo mais simples de mostrar.

---------x---------

Não classificaria como ciúmes o sentimento que me toma o peito todas as vezes que te imagino em outros braços. Talvez até seja, mas prefiro acreditar que a nostalgia e a saudade me incomodam bem mais do que a idéia de um sentimento tão comum. Já falei sobre o vermelho, não gosto das cores mais fáceis. Seria fácil demais dizer que é o preto que me escurece as vistas, prefiro lilás, é o lilás que me insulta o ritmo das batidas. Tenho tentado manter o equilíbrio e esquecer a falta que me faz não ver o teu sorriso. Tenho tentado esquecer-me de como era bom me aconchegar no teu corpo, te perceber tão maior e tão protetor. Não poderia ser ciúmes o que me incomoda tanto, prefiro que seja lilás.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

exposição de curtas

repostando meus "curtinhos" favoritos do blog antigo:

vive em angústia e espera
do outro que não via.

legenda alternativa:
vive em angústia e espera
do que nunca lhe ocorria.

-----------x-----------

Não esqueça:
as lágrimas falam de tristezas
e alegrias.
-----------x-----------

Leminskianos

I
Era tão errada
que até pra ser nada
era incompleta.
Era um pedaço
faltando do tudo.

V
Não lembro
o que lhe escrevo
Minha memória
anda morta
Eu
ando morrendo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

le temps d'attente


Ao pousar o cigarro nos lábios, automaticamente analisou sua vida. Assim, percebeu assustada que duvidava de boa parte das suas aventuras, pois, naquele instante, as via como meios e não fins, eram apenas uma passagem para algo mais importante. Não. Não estava ali o ápice das suas vivências. Havia algo mais que queria alcançar. Duvidou das histórias que contara, das emoções que pensara ter vivido. Seria tudo tão intenso como dissera aos outros? Dessa análise, as lembranças emergiam: mas pareciam fake, a vida de outrem. Formou-se um labirinto, cheio de faunos ilusórios, porque em 3 segundos se perdera e já pensava nem ter vivido aquelas cenas, duvidava dos cenários: eram mesmo daquela forma ou foram inventados, vistos em filmes? Via tantas pessoas passando, envoltas em conversas, sorrisos, confusões. Do que tanto falavam e por que sorriam tanto? E aquelas vidas que pensava conhecer, aqueles instantes, os beijos, as catarses, os êxtases. Onde foi parar o sentido disso tudo? Quem viveu? O mundo parece mudo, silencioso, girando em torno de outra vida, não a sua. O que procurava estava além daquilo tudo, esperando ser descoberto como por acidente. E agora, mais que nunca, a frase martelava: “vivia em angústia e espera daquilo que não via”. Sabia que ainda não havia encontrado aquele sentido.

sábado, 9 de agosto de 2008

multiplicidade


primeiro, disseram que não tinha alma.
depois lhe atribuíram outras tantas
que roubou-lhe a calma
ver outros tantos rostos
que com o tempo esquecia.

e as opiniões divergiam
sobre o modo de encará-las
de fugir das dores que ela mesma criava
nos tempos de aquários e letargias.

então os tempos mudaram,
despediu-se: das almas que incomodavam
e preferiu as que melhor lhe serviam.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

beijosmeliga

Cansada dos sorrisinhos simpáticos. Não suporto sequer a ideia daquelas convenções sociais falidas, logo imagino os sorrisinhos e isso me irrita profundamente. Odeio os sorrisinhos, como odeio. Odeio as relações forçadas por tempos amenos e vazios. Odeio as recolocações, as substituições. Irrita-me profundamente a obrigação de dar atenção a quem não quero. E odeio mais ainda que me deem carinho forçado. Não suporto os fingimentos. Prefiro antipatia, sempre.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

particular

Leva o céu nos olhos e as luzes refletidas na janela. O movimento na rua é como uma coisa sua, particular e indivisível. Olhas as pessoas como se fossem amigas e foi assim que apesar de amar a chuva, começou a ficar chateada quando percebeu que os outros não gostavam tanto. Ficava ali, olhando pela janela a ausência de movimento nas calçadas. E quem queria ver, nunca via.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

achada e perdida

"a cada instante que te amava mais
me amava menos.
era como subtrair minha dor
daquele desejo perverso e desnecessário.
matei ambos: devo viver mais uns 50 anos."

achei esse trecho perdido em uma arquivo .txt largado no desktop. fiquei pensando de quem seria, procurei no google e nada! e continuo sem saber... fui eu que escrevi?!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

o ovo e a panqueca


Hoje resolvi fazer panquecas e me ocorreu algo totalmente inesperado. No momento de abrir o ovo, estranhei completamente o cheiro. Imaginei que estaria “estragado” e, por segurança, despejei antes em um copo. Cheirei novamente: não, o odor era o de sempre. No entanto aquele me pareceu o ovo mais estranho do universo.

Olhei por vários ângulos, de fato, continuava estranho. Pensei em como poderia comer um ovo. Aquilo é uma futura vida. Então observei o ovo com ares de vida. Por um instante, entendi os vegans. Aquilo é vida, amarela e disforme, mas vida. E placenta esbranquiçada, quase transparente. Imaginei se a bola amarela (sim, aquela gema parecia uma bola, um mundinho de ouro) já seria um início de uma galinha pequena, ou um galo, vai saber.

Olhei novamente para a gosma flutuando no copo, decidi que precisaria terminar as panquecas e que vegans são pessoas com TOC em relação à comida - explicação sem sentido que garantira meu lanche. Antes, porém, espetei a gema e procurei entre aquela amarelidão um início de galinha-bebê, não havia. E, apesar de óbvio, prossegui na experiência. Misturei a clara e a gema. Seguramente, não havia ainda um princípio de forma naquela coisa amarelada. Contudo, só por segurança, todas as vezes que for usar um ovo, de hoje em diante, despejarei no copo e, concluirei, com certeza, de que não há uma vida semi-formada e comestível naquela gosma. Ao menos, nenhuma vida que eu enxergue e reconheça.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

terra do sol



Por muito tempo estive cavando um poço sem fundo, movia-me pela esperança de que a qualquer instante, quando menos esperasse, alcançaria a Terra do Sol. Não alcancei e deparei-me com uma escuridão sem fim, com mãos sofridas e um caminho sem volta.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

poemeto.

e se eu disser que tanto adoro
do pouco que me mostra

vai soar falso?
vai entender o quanto
é o tanto?